É uma dúvida super frequente para o médico emergencista ou plantonista da UTI e até mesmo para o cardiologista na Unidade Coronária. Quando indicar implante de marca-passo (MP) provisório transvenoso para um paciente que apresenta um distúrbio de condução no ECG e se encontra na vigência de uma síndrome coronariana aguda? Quais condições ou quais distúrbios eu devo voltar a minha atenção? Responderemos a essas perguntas com base nas diretrizes brasileiras que tratam do assunto e ao final mostraremos um macete que vai ajudar você memorizar as condições clínicas e/ou eletrocardiográficas que indicam o implante de marca-passo provisório transvenoso na vigência de uma síndrome coronariana aguda.
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O sistema excito-condutor do coração é constituído pelo nó sinusal, nó AV e o sistema His-Purkinje, com seus ramos direito e esquerdo, e os fascículos anterior e posterior.
Os distúrbios do sistema de condução, que podem ocorrer durante o IAM, estão relacionados com a irrigação do sistema de condução. Um ramo da artéria coronária direita (ACD) é responsável pela irrigação do nó sinusal em 60% dos casos e nos outros 40% é a artéria coronária circunflexa. Em 90% dos casos, um ramo da ACD irriga o nó AV, o que explica a ocorrência de bloqueios a esse nível no IAM de parede inferior entre 5 a 15% dos casos.
Todo o sistema de condução His-Purkinje é irrigado pela artéria coronária esquerda descendente anterior e seus ramos septais, sendo o IAM de parede anterior o responsável pela ocorrência de bloqueio átrio-ventricular (BAV) distal de conotação mais grave e de pior prognóstico.
Quando ocorre BAV e distúrbio da condução intraventricular do estímulo no IAM de parede anterior, o grau de necrose miocárdica é maior, sendo a alteração da função ventricular a determinante da gravidade na evolução e, em geral, esses casos vão necessitar de implante de marca-passo cardíaco definitivo após a evolução aguda do IAM em pacientes que foram submetidos a implante de marca-passo provisório (avalia-se após pelo menos 15 dias). Vejamos na tabela abaixo a incidência das arritmias no IAM, de acordo com sua localização e irrigação do sistema elétrico de condução:
ARRITMIA | INFERIOR | ANTERIOR |
Arritmia sinusal | Comum | Não usual |
Taquicardia juncional | Comum | Não usual |
Arritmia ventricular | Comum | Comum |
Bloqueio atrioventricular | Extremamente comum | Menos comum |
Bloqueio intraventricular | Não usual | Extremamente comum |
Agora vejamos a incidência de bloqueios atrioventricular e intraventricular de acordo com a localização do infarto:
BLOQUEIO | INFERIOR | ANTERIOR |
BAV de 1º grau | Comum | Raro |
BAV de 2º grau tipo I | Comum | Nunca |
BAV de 2º grau tipo II | Nunca | Comum |
BAV de 2º grau 2:1 fixo II | Wenckebach extremo | Tipo II |
BAV total | Bloqueio nodal | Bloqueio infranodal |
Bloqueio intraventricular | Não usual | Comum |
Os distúrbios da condução AV no IAM de parede inferior são, em geral, relacionados à alteração proximal do sistema de condução, no nível do nó AV, ocorrendo frequentemente ritmo de escape com complexos QRS estreitos, frequência ventricular mais elevada, mais estável, em geral de origem juncional. Quando ocorre, esse bloqueio é em geral progressivo e gradual, evoluindo do BAV de primeiro grau para BAV de segundo grau tipo Wenckebach, BAV de segundo grau 2:1 fixo e BAV total.
No IAM anterior, as características dos bloqueios são opostas e podem ocorrer subitamente, pois o comprometimento do sistema de condução é distal ao nó atrioventricular. O escape ventricular tem complexos QRS largos, instáveis e com frequência ventricular mais lenta, em geral de origem ventricular.
Veja as características do BAV de acordo com a localização nos infartos inferior e anterior e percebam que o acometimento do sistema HIS-Purkinje abaixo da junção atrioventricular (infranodal) cursam com complexos QRS alargados e maior chance de instabilidade:
CARACTERÍSTICAS DO BLOQUEIO AV | IAM INFERIOR | IAM ANTERIOR |
Localização do bloqueio | Nodal | Infranodal |
Localização do bloqueio | Nodal | Infranodal |
Frequência ventricular | 45 a 60 bpm | 25 a 40 bpm |
Ritmo de escape | Estável | Instável |
Complexos QRS | Estreito | Largo |
Marca-passo provisório:
A indicação de um marca-passo cardíaco provisório no IAM existe quando ocorre uma bradicardia sintomática, de qualquer etiologia (sinusal ou BAV), independentemente da localização do IAM e do caráter do distúrbio da condução AV (nodal ou infranodal), que não responde à atropina nos casos de alteração nodal.
Na bradicardia assintomática, mas com BAV de localização infranodal, como o BAV de segundo grau tipo II e o BAV total com complexos QRS largos, a indicação do marca-passo provisório é imperativa.
No IAM de parede anterior, que evolui sem bradicardia, mas com distúrbio da condução intraventricular do estímulo, associado ou não a BAV de primeiro grau, o risco de evolução para BAV e bradicardia súbita com assistolia é elevado, dependendo do bloqueio intraventricular em evolução.
A utilização de marca-passo provisório para o tratamento de taquiarritmia ventricular (TV) deve ser sempre cogitada nos casos de TV de difícil controle com medicação, e o objetivo é poder realizar uma estimulação ventricular acima da frequência da taquicardia (overdrive) para reversão da mesma. Pode ser útil em casos de arritmia ventricular frequente dependente de bradicardia, não responsiva ao tratamento com medicação, com o intuito de se fazer uma estimulação cardíaca com frequência superior à frequência intrínseca do paciente (overpacing) e, com isso, inibir focos ectópicos ventriculares frequentes e responsáveis por prejudicar o débito cardíaco.
Abaixo as indicações de marca-passo cardíaco provisório em casos de IAM com supra de acordo com a V Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia (2015). A Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST atualizada na publicação de 2014 não traz as indicações de marca-passo provisório transvenoso na vigência de uma síndrome coronariana aguda sem supra de ST, no entanto, nós, equipe CardioSite, entedemos que as indicações de marcapasso para pacientes com IAM com supra de ST podem ser extrapoladas para pacientes com SCA sem supra de ST, são elas:
1. Bradicardia sinusal sintomática não responsiva à atropina* |
2. BAV de segundo grau tipo Wenckebach sintomático, BAV de segundo grau 2:1 fixo e BAV de segundo grau tipo II (Mobitz II) |
3. BAV total |
4. Bloqueio de ramo alternante (bloqueio de ramo esquerdo alternando com bloqueio de ramo direito, ou bloqueio de ramo direito fixo e bloqueio divisional anterossuperior esquerdo alternando com bloqueio divisional posteroinferior esquerdo) |
5. Aparecimento de bloqueio bifascicular (por exemplo: BRD + BDAS ou BDPI) |
6. Arritmia ventricular dependente de bradicardia e TV incessante por mecanismo de reentrada |
Chamamos a atenção para o uso da atropina:
A atropina pode ser utilizada principalmente na bradicardia sinusal do IAM de parede inferior e nos BAV de localização nodal, como BAV de segundo grau tipo I (Wenckebach), no Wenckebach extremo (Wenckebach que evolui com BAV de segundo grau 2:1 fixo) e BAV total com escape juncional e complexos QRS estreitos. Está contraindicada sua utilização quando o bloqueio é distal, ao nível do sistema His-Purkinje, como no BAV de segundo grau tipo II (Mobitz II) e BAV total com complexos QRS largos, que ocorrem no IAM de parede anterior, devido ao risco de piora do grau de bloqueio, e redução da frequência ventricular, devido ao aumento da frequência sinusal causado pela atropina (resulta num incremento da dissincronia átrio-ventrículo).
Os BAV preexistentes ao IAM não determinam a necessidade de implante de marca-passo provisório. Quando não se sabe se o BAV é devido ao IAM, deve-se considerar de aparecimento recente.
Em geral, deve-se esperar 15 dias antes de se definir a indicação de marca-passo cardíaco definitivo após IAM. Toda bradicardia persistente, seja sinusal ou devido a BAV, que necessitou de marcapasso provisório e que persiste após a fase aguda, tem indicação de marcapasso definitivo. Isso se aplica também para BAV persistentes, que ocorreram devido ao IAM. Nas Diretrizes Brasileiras de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis, publicada em 2007, a indicação do marcapasso definitivo não determina especificamente se a bradicardia ou o risco de bradicardia devido ao BAV é de etiologia pós-IAM.
Macete CardioSite:
Com a finalidade de ajudar você a memorizar as indicações de MP transvenoso, criamos uma frase mnemônica que em linhas gerais resumem o que até agora foi falado. A frase é:
40 sintomas largos se alternam na TV
- FC < 40 bpm. De um modo geral BAV com FC < 40 bpm indica escape infra-nodal que são mais comuns nos infartos com acometimento da parede anterior.
- Sintomas de baixo débito cardíaco como hipotensão, congestão pulmonar, síncope, alteração do status mental acarretados por uma bradicardia, mesmo sinusal, sugerem falência da bomba cardíaca. Reforçamos a leitura acima sobre o uso da atropina em certas condições nos bloqueios cardíacos e bradicardia.
- QRS largos na vigência de BAV também sugerem escape ventricular o que se traduz em maior gravidade.
- Alternância de BRE com BRD e/ou alternância de eixo elétrico no plano frontal provocados por bloqueio divisionais (BDAS com BDPI) sugerem comprometimento infra-nodal do sistema de condução.
- TV dependente de bradicardia ou TV incessante, o implante de MP provisório transvenoso pode ser uma técnica interessante para reversão da arritmia através do overdrive (TV dependente de bradicardia) e overpacing (TV incessante).
Prognóstico:
O prognóstico dos pacientes após IAM que desenvolvem arritmias e distúrbios da condução está relacionado à extensão da lesão miocárdica e, consequentemente, ao grau de disfunção ventricular associado a essa lesão.
Quando a função ventricular está preservada ou pouco alterada, o paciente tratado da insuficiência coronária que necessitou de implante de marcapasso provisório vai ter uma boa evolução clínica após a fase aguda. Nos casos de disfunção ventricular importante, é necessário estratificar o risco para morte súbita cardíaca, para se definir implante de CDI independentemente da resolução da bradicardia. Normalmente, o paciente que necessita do implante de marcapasso definitivo teve um acometimento miocárdico maior e, em geral, é devido a IAM de parede anterior. A mortalidade nesses pacientes pode chegar a 80% dos casos.