Sempre foi um desafio para o médico das Unidades de Pronto Atendimento atender um paciente que se apresenta na sala de emergência com dor torácica e bloqueio de ramo esquerdo (BRE). A pergunta que é sempre feita nestes casos: esse BRE é novo? Se esse BRE é prévio, ou seja, já existia antes do quadro de dor torácica? Como identificar um IAM na vigência de um BRE antigo? Lembramos que quando o ECG não nos dá muita pista, as características clínicas associadas à identificação dos fatores de risco é de suma importância para selecionar os pacientes com possibilidade de estarem apresentando evento coronário agudo. Nos pacientes com quadro de dor torácica definitivamente anginosa com BRE novo ou presumivelmente novo (geralmente oclusão da artéria descendente anterior), as Diretrizes Internacionais de Síndrome Coronariana Aguda (SCA) sempre orientaram considerar a mesma conduta realizada no infarto com supra (fibrinólise ou intervenção percutânea). Essa recomendação vem perdendo fôlego por conta dos reduzidos casos de oclusão coronariana aguda vista na coronariografia (menos de 20% dos casos) nesta coorte de pacientes. Acreditamos que isso se dê pelo fato de que muitos casos de supostos bloqueios de ramo esquerdos novos ou presumivelmente novos são na verdade bloqueios antigos. Dessa forma, em 1996, foi publicado na Revista New England Journal Medicine um estudo de Elena Sgarbossa em que pacientes com SCA que eram elegíveis para fibrinólise e apresentavam BRE na admissão. Alguns critérios eletrocardiográficos foram analisados nestes pacientes com BRE e relacionados com os casos em que realmente houve diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (IAM). Dentre os critérios que se destacaram em ordem de maior relevância foram:
- Supra de ST ≥ 1 mm em qualquer derivação com QRS predominantemente positivo.
- Infra de ST ≥ 1 mm em V1, V2 ou V3.
- Supra de ST ≥ 5 mm em qualquer derivação com o QRS predominantemente negativo.
Com bases nesses achados foram criados os Critérios de Sgarbossa em que o primeiro critério pontua 5, o segundo 3 e o terceiro 2 pontos. Um total de pontos ≥ 3 tem elevada especificidade para diagnóstico de infarto, entretanto a sensibilidade é muito baixa, ou seja, 3 ou mais pontos praticamente conferem o diagnóstico de infarto, mas zero ou 2 pontos não afastam IAM. Podemos notar que os dois primeiros critérios sozinhos pontuam suficientes para conferir o diagnóstico, mas o terceiro critério sozinho (2 pontos) não é conclusivo de IAM.
Assim, em 2012, Dr Estephen Smith et Al. propuseram modificações nos critérios de Sgarbossa. A mudança mais significativa ocorreu no terceiro critério, em vez de supra ST ≥ 5 mm em qualquer derivação com o QRS predominantemente negativo, a proposta era relacionar a amplitude do supra (ponto J) com a amplitude da onda S de um mesmo QRS. Assim, um supra ST com amplitude maior que ¼ (um quarto) da onda S pontuava como critério positivo para IAM. Os outros dois critérios ficaram mantidos, mas os critérios de pontos deixaram de ser utilizados e passou a se considerar qualquer critério como positivo para IAM. Isso fez a sensibilidade dos critérios de Sgarbossa subir de aproximadamente 50% para 80%. Essa modificação foi chamada de critérios de Sgarbossa modificados.
Os Critérios de Sgarbossa Modificados são mais sensíveis do que os Critérios de Sgarbossa originais para predizerem IAM na presença de BRE, mas ainda não foram validados pelas Diretrizes Internacionais de SCA. Nossa opinião é que os critérios modificados podem ser utilizados quando o primeiro (supra de ST ≥ 1 mm em qualquer derivação com QRS predominantemente positivo) e/ou o segundo critério (infra de ST ≥ 1 mm em V1, V2 ou V3) não estiverem presentes. Entretanto, nunca é pouco dizer que o eletrocardiograma é um exame complementar que deve ser corroborado por dados da anamnese e exame físico para se concluir que esteja ocorrendo um evento coronariano agudo.