Homem de 20 anos, aprovado em concurso militar, absolutamente assintomático, realizou ECG admissional conforme mostrado acima. Um médico militar recém-formado, prestando serviço militar obrigatório, com boa formação acadêmica em eletrocardiografia, identificou uma alteração eletrocardiográfica e imediatamente solicitou um novo exame complementar para ajudar elucidar o quadro. Qual a alteração eletrocardiográfica o exame acima apresenta? Qual foi a suspeita clínica do médico? Quais os outros exames que podem ajudar a confirmar ou afastar a suspeita inicial?
Resposta: Ao analisar o ECG, antes de qualquer coisa, devemos sempre avaliar a padronização do ECG, o chamado Standart. Veja abaixo:
Pronto! Seguindo essa sequência matamos todas as alterações que porventura possam aparecer. Vamos lá, galera!
O R do rei é RITMO. Para avaliarmos se o ritmo é sinusal olhamos para as derivações D1, D2 e aVF. Lá estão as ondas P totalmente positivas com eixo em torno de +30 graus. Além de sinusal, vemos que o ritmo também é regular (RR se repete sempre na mesma distância). A letra E de REI são os EIXOS das ondas P e QRS. Já vimos que P é sinusal. Vamos agora calcular o eixo do complexo QRS (eixo cardíaco), falamos eixo cardíaco porque as forças vetoriais dos ventrículos predominam em relação as forças vetoriais dos átrios. Se olharmos o QRS no plano horizontal (V1 a V6), percebemos que em V1 e V2 a onda S é maior em amplitude do que a onda R, o que significa que o vetor resultante no plano horizontal aponta para trás.
Nota-se que a grande hipertrofia septal esquerda provoca abaulamento do septo para dentro do ventrículo esquerdo. As forças vetoriais do septo esquerdo aparecem com grande amplitude que, por sua vez, geram ondas Q profundas nas precordiais esquerdas e nas derivações da parede inferior (D2, D3, aVF) no plano frontal. A miocardiopatia hipertrófica é uma doença primária do músculo cardíaco que apresenta hipertrofia miocárdica na ausência de outra patologia cardíaca ou sistêmica que justifique tal alteração (HAS sem controle pressórico adequado, estenose aórtica severa). É uma doença de origem genética autossômica dominante. A maioria dos pacientes é assintomática ou oligossintomática. É a principal causa de morte súbita em jovens atletas.
Analisando os critérios de SVE, os critérios de Sokolow-Lyon em que a soma da amplitude da onda S em V1 com a maior amplitude da onda R em V5 ou V6 superior a 35mm em adultos ou 40mm em adultos jovens é um critério sugestivo de SVE (sobrecarga ventricular esquerda). No ECG acima, utilizando esses critérios de Sokolow-Lyon, veremos que a soma das ondas S de V1 com R de V5 resultará em 36mm. Como o paciente é jovem, então teríamos que considerar 40mm como referência, ou seja, não se enquadra pelos critérios de Sokolow-Lyon para SVE. Pelos critérios de Cornell (soma da onda S V3 com R de aVL). Neste caso teremos 28mm, o que também não se enquadra como critério de SVE já que o valor de referência para homens é maior que 28mm (no sexo feminino, o valor de referência é maior que 23mm). Pelos critérios de Homhilt-Estes, não haverá pontuação pelo critério de voltagem nem pelo critério de desvio do eixo para além de -30 graus, como também não pontuará nos critérios morfológicos (deflexão intrinsecoide maior 40ms ou QRS maior que 90ms ou padrão de strain nas derivações V5 e V6). Isso pode ser explicado pelo fato de que a miocardiopatia hipertrófica septal assimétrica pode preencher critérios para SVE ou não, pois dependerá do grau de hipertrofia de outras paredes. Contudo, as ondas Q profundas nas precordiais esquerdas, bem como em D2, D3 e aVF, chamam bastante atenção do observador perspicaz, o que logo nos remete a suspeitar desta tão temida miocardiopatia primária responsável por muitos casos de morte súbita.
O exame de baixo custo que pode esclarecer o quadro clínico é o ecocardiograma. Outro exame importante no diagnóstico da miocardiopatia hipertrófica, apesar do custo ser bem mais elevado, é a Ressonância Cardíaca que é um instrumento bastante precioso principalmente nos casos não elucidados pela ecocardiografia.