Os inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA), estratégia mais comum de tratamento de primeira linha para a hipertensão recém-diagnosticada, não é tão eficaz e causa mais efeitos colaterais do que os diuréticos tiazídicos, sugere uma grande análise de dados do mundo real.
Os resultados do estudo LEGEND-HTN foram publicados on-line em 24 de outubro no periódico Lancet.
As diretrizes brasileira e norte-americana recomendam várias classes farmacológicas como primeira linha para a hipertensão arterial sistêmica, como os diuréticos tiazídicos, os inibidores da ECA, os bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA), os bloqueadores do canal de cálcio (BCC) e, em alguns casos excepcionais, os betabloqueadores (doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca etc). Ainda não está claro qual é o melhor medicamento para ser usado em pacientes com diagnóstico recente de hipertensão arterial.
Usando seis bancos de dados de reembolso administrativo e três prontuários eletrônicos, os pesquisadores analisaram dados de quase 4,9 milhões de pacientes que iniciaram monoterapia anti-hipertensiva entre julho de 1996 e março de 2018, e que foram acompanhados durante dois anos (mediana); 25% dos pacientes foram acompanhados por mais de cinco anos.
Os pesquisadores analisaram 55 desfechos em saúde: três desfechos primários (infarto agudo do miocárdio, hospitalização por insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral); seis desfechos secundários de doença cardiovascular (evento cardiovascular, acidente vascular cerebral isquêmico, acidente vascular cerebral hemorrágico, insuficiência cardíaca, morte súbita de origem cardíaca e angina instável); e 46 desfechos de segurança. Eles geraram 22.000 razões de risco (HR, sigla do inglês, hazard ratio) calibradas, ajustadas por pontuação de propensão, comparando todas as classes farmacológicas e os desfechos em todos os bancos de dados.
A classe farmacológica mais usada no início da doença foi a dos inibidores da ECA (48%), seguida de tiazídicos (17%), bloqueador do canal de cálcio di-hidropiridina (16%), bloqueadores do receptor da angiotensina (15%) e bloqueadores do canal de cálcio não-di-hidropiridina (3%).
Os medicamentos mais prescritos de cada classe foram lisinopril (80%), hidroclorotiazida (94%), anlodipino (85%), losartana (45%) e diltiazem (62%).
Dá para apostar que tiazídicos são melhores do que inibidores da ECA na hipertensão inicial?
Globalmente, os resultados mostraram eficácia geral comparável entre as classes farmacológicas, confirmando as atuais diretrizes sobre os medicamentos de primeira linha para o tratamento da hipertensão, cuja maioria é mais ou menos equivalente.
No entanto, os tiazídicos apresentaram melhor eficácia primária do que os inibidores da ECA em todos os desfechos primários, com incidência de eventos adversos ao tratamento inicial cerca de 15% menor.
Os perfis de segurança também favoreceram os tiazídicos frente aos inibidores de ECA. Os inibidores de ECA suscitaram maior risco de morte por todas as causas, morte de origem cardiovascular, angioedema, ataque isquêmico transitório, demência, alterações renais, trombocitopenia, efeitos colaterais gastrointestinais e tosse do que os tiazídicos.
Os tiazídicos tiveram maior risco de hipopotassemia e hiponatremia do que as outras classes farmacológicas.
Pilar do tratamento inicial
De acordo com os resultados, os autores disseram que iniciar o tratamento anti-hipertensivo com tiazídicos em vez de com algum inibidor da ECA pode evitar muitos dos principais eventos cardiovasculares, e isto merece ser mais bem estudado.
Os pesquisadores calcularam que cerca de 3.100 grandes eventos cardiovasculares entre os pacientes que iniciaram o tratamento com algum inibidor da ECA poderiam ter sido evitados se um diurético tiazídico tivesse sido dado no lugar.
As diretrizes atuais da hipertensão arterial sistêmica recomendam, embasadas na opinião de especialistas, que o tratamento combinado seja considerado caso a pressão arterial inicial esteja em níveis do estágio 2 ou 3, ou ainda, no estágio 1, mas com risco cardiovascular alto.
Referência: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(19)32317-7/fulltext