A fibrilação atrial (FA) é seguramente a arritmia mais frequente na prática clínica. Seu manejo no ambulatório de cardiologia ou de clínica médica é fundamental para que sejam evitadas complicações muitas vezes fatais. Este artigo tem como finalidade orientar nossos leitores quanto ao manejo ambulatorial desta importante arritmia cardíaca. Dessa forma, objetivando ser bem prático, criamos uma análise através de fluxograma, em que o leitor terá condições de visualizar a melhor forma de conduzir um paciente com FA no ambulatório.
O primeiro passo é saber se a FA está bem documentada no eletrocardiograma de repouso ou no Holter de 24 horas. Relato de paciente com sensação de batimento irregular não deve ser utilizado para diagnóstico, pois, como bem sabemos, existem outras arritmias que cursam com irregularidades do ritmo cardíaco. É importante termos um exame complementar capaz de identificar a fibrilação atrial.
Se por acaso o paciente durante a consulta apresentar FA no ECG, devemos seguir nosso fluxograma pela Rota 2 que será posteriormente abordada. Caso o paciente esteja em ritmo sinusal, seguiremos nosso fluxograma abaixo com as devidas explicações para que você compreenda o manejo aqui colocado.
Avaliação da presença de cardiopatia estrutural
A primeira coisa que avaliamos é se existe ou não a presença de cardiopatia estrutural. No nosso meio, as principais etiologias são a cardiopatia isquêmica e a cardiopatia hipertensiva. A presença da cardiopatia isquêmica, ou seja, pacientes que têm isquemia documentada em exames, ou ainda, tem histórico de angioplastia, cirurgia de revascularização ou antecedente de infarto, deve nos levar a considerar o uso do Sotalol como uma opção para pacientes com FA com a finalidade de manter o ritmo sinusal. No entanto, algumas considerações são muito importantes. O Sotalol é uma droga que alarga o intervalo QT, o que pode provocar complicações ainda piores que a própria FA. Os pacientes com QT alargado podem evoluir com arritmias ventriculares muitas vezes fatais. O Torsades de points é uma taquicardia ventricular polimórfica provocada pelo alargamento do intervalo QT que pode ser causado por drogas ou distúrbios eletrolíticos. O Sotalol é uma das drogas que alarga QT, não devendo ser prescrito caso o paciente no ECG sinusal apresentar um intervalo QT corrigido (QTc) maior que 450 milissegundos ou algum outro fator que poderá acarretar ainda mais no alargamento. Portanto, o Sotalol fica reservado para pacientes com episódio de FA documentada, que estejam no momento em ritmo sinusal, sejam portadores de cardiopatia isquêmica sem disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (FE ≥ 50%), sem alargamento do intervalo QT e sem outros fatores de risco para alargamento do QT. Caso o paciente tenha cardiopatia isquêmica com disfunção sistólica do VE (FE < 50%), a droga de escolha para manutenção do ritmo sinusal é a Amiodarona. Esta droga é relativamente segura a curto prazo, mas a longo prazo pode comprometer o funcionamento da tireoide, aumentar o risco de fibrose pulmonar e pode impregnar a córnea.
A segunda coisa que precisamos verificar é se o paciente é hipertenso ou não. Caso seja hipertenso, devemos avaliar a presença ou não de hipertrofia ventricular esquerda (HVE). O método bem sensível e disponível é a ecocardiografia. Caso não esteja presente a HVE, podemos fazer o controle do ritmo com Propafenona ou Sotalol, lembrando que ambas as medicações podem alargar o intervalo QT, embora nós observamos maior incidência de alargamento com Sotalol. Dessa forma, todos os cuidados e monitoramento devem ser realizados para que se evitem as terríveis complicações (Torsades de points) para os pacientes. Se o paciente for portador de HVE, não devemos usar Sotalol nem Propafenona. Neste caso, a droga utilizada é a Amiodarona.
Rota 2: Paciente se apresenta com FA no momento da consulta.
Neste caso, devemos avaliar se é possível reverter a FA. Alguns fatores decisórios devem ser ponderados. Pacientes com idade avançada, presença de cardiopatia estrutural, outras comorbidades associadas e tempo prolongado de arritmia devem ser considerados para controle do ritmo ou da frequência cardíaca e é fundamental avaliar o paciente para anticoagulação. Já nos casos de pacientes jovens, sem cardiopatia estrutural e pouco tempo de evolução da arritmia devem ser avaliados para o procedimento de ablação.
A anticoagulação sempre deve ser cogitada para os pacientes com FA. Nosso referencial é o escore de CHA2DS2VASc conforme mostrado na tabela abaixo.
- Pacientes com FA valvar (estenose mitral moderada a grave ou com prótese valvar mecânica) devem ser anticoagulados independentemente do escore de CHA2DS2VASC com antagonista da vitamina K (Warfarina).
- Pacientes com FA não valvar e um escore de CHA2DS2VASC de 0 em homens e 1 em mulheres não necessitam de anticoagulação.
- Para pacientes com FA não valvar com CHA2DS2VASC ≥ 2 em homens ou ≥ 3 em mulheres faz -se necessária a anticoagulação.
- Nos dois cenários acima, não há dúvida quanto a necessidade de anticoagular e de não anticoagular.
- Na zona ‘‘cinzenta’’ encontram-se os pacientes com FA não valvar e CHA2DS2VASC = 1 em homens e 2 em mulheres. Neste caso, devemos considerar a prescrição de um anticoagulante oral para redução do risco de AVC tromboembólico.
Existem várias opções de anticoagulantes no mercado, destaques são dados para os Anticoagulantes Orais Diretos (DOACs), cujos representantes no Brasil até o momento desta publicação são a Rivaroxabana, Apixabana, Dabigatrana e a Endoxabana. Estes são reservados para aqueles portadores de FA não valvar.
As doses devem ser individualizadas de acordo com cada medicação. É uma excelente escolha, mas tem custo elevado. Outra opção de terapêutica anticoagulante mais barata é a Warfarina, um antagonista da vitamina K. O uso de Warfarina requer o controle do INR que ficou estabelecido entre 2 e 3 para pacientes com FA. O uso de Warfarina é mandatório nos casos de prótese valvar mecânica e pacientes com estenose mitral moderada ou importante, não devendo, nestes casos, serem utilizados os DOACs. A Warfarina também é uma opção para pacientes de baixa renda.
O controle da FC cardíaca nos pacientes que se mantenham em FA pode ser realizado com antagonistas dos canais de cálcio Verapamil ou Diltiazem, betabloqueadores ou digitálicos. Lembrando que últimos estudos sugeriram que digitálicos podem aumentar mortalidade, mas isso ainda não foi muito bem estabelecido. Um resumo na forma de fluxograma pode ser visto abaixo. O manejo da FA no ambulatório é um desafio para os médicos que lidam com pacientes clínicos. A prescrição deve estar muito bem embasada nas atuais recomendações das Diretrizes. Os pacientes devem ser orientados quanto a possíveis complicações da doença e efeitos colaterais dos fármacos.