Paciente feminina, 25 anos, na 32ª semana de gestação, procura emergência clínica com queixa de ter iniciado quadro de asma a partir do 2º trimestre da atual gestação. Nega asma previamente, refere que a dispneia vem piorando nas últimas semanas o que ela mesma atribuiu a evolução da gestação. Sempre que procura a emergência faz nebulização sendo liberada para procurar obstetra do posto de saúde onde realiza pré-natal. Paciente vinha fazendo uso de beta2 agonista para controle dos sintomas, mas sem melhora do quadro. Após ser examinada, o clínico de plantão solicita realização de ECG (conforme apresentado acima) que junto com as informações do exame físico praticamente fecha o diagnóstico. Sendo assim, a paciente é encaminhada para o ambulatório de cardiologia.
Esse ECG é clássico para uma patologia que infelizmente ainda é muito frequente em nosso meio.
Análise eletrocardiográfica:
Ao iniciar análise de qualquer traçado eletrocardiográfico, devemos seguir uma sequência para que nada passe sem ser notado. Começaremos avaliando o ritmo. O ritmo será considerado sinusal se houver a presença de ondas P positivas nas derivações D1, D2 e aVF. Percebemos que no traçado acima, o ritmo é sinusal. Agora vamos analisar a amplitude da onda P na derivação D2. Neste caso, a onda P em D2 tem amplitude de 3mm (VR até 2,5mm) e duração de 120ms (VR até110ms), o que nos faz pensar em aumento biatrial. Outro fato que chama muito a nossa atenção é a fase negativa da onda P na derivação V1 (profundidade) que mede 3mm (até 1mm), que neste caso é chamado de índice de Morris, revelando aumento acentuado do átrio esquerdo. A duração do intervalo PR é de aproximadamente 160ms (VR 120 a 220 ms). O eixo elétrico da onda P está positivo em torno 60º. O Eixo elétrico do QRS é positivo aproximadamente em 120º, demonstrando desvio do eixo para baixo e para direita. Há presença de alteração da repolarização ventricular em quase todas as derivações, principalmente, nas precordiais direitas. Outro ponto de destaque é a presença de ondas R amplas nas precordiais direitas (V1, V2), sendo que V1 ainda apresenta um pradrão qR que pode representar um sinal de sobrecarga de câmaras direitas.
Dessa forma, após esta análise sucinta, o ECG é compatível com aumento dos átrios e do ventrículo direito (sobrecarga biatrial e ventricular direita + desvio do eixo do QRS para baixo para direita).
Uma patologia cardíaca que cursa com sobrecarga de átrio esquerdo e câmaras direitas é a ESTENOSE MITRAL que neste caso pode cursar com quadro de congestão pulmonar, agravada durante a gravidez em consequência da hipervolemia que ocorre durante o período gestacional. A febre reumática (FR) é a principal causa da doença valvar mitral. Essa doença e a cardiopatia reumática crônica (CRC) são complicações não supurativas da faringoamigdalite causada pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A que é uma consequência da resposta imune tardia a esta infecção em populações geneticamente predispostas. Essa é uma doença que está frequentemente associada à pobreza e às más condições de vida. Assim, apesar da reconhecida redução da incidência da FR nas últimas décadas nos países desenvolvidos, com consequente redução na prevalência da cardiopatia reumática crônica, a FR permanece como um grande problema de saúde pública, principalmente nos países em desenvolvimento.
Esse caso clínico é real e demonstra como o ECG, exame simples e barato, pode ajudar no diagnóstico.