A fibrilação atrial diagnosticada como primeiro episódio após uma cirurgia cardíaca (post-operative FA ou POAF) é reconhecida como secundária ao processo cirúrgico e condições do pós-operatório, e sua incidência varia de 15 a 45%. Diversos mecanismos podem estar implicados, como processo inflamatório, estresse oxidativo, tônus simpático aumentado, distúrbios eletrolíticos e sobrecarga de volume.
As Diretrizes da ESC de 2016 sobre manejo de fibrilação atrial recomenda que a anticoagulação nesses pacientes deve ser considerada quando apresentarem alto risco tromboembólico, mas, sendo as evidências até o momento poucas e conflitantes, o grau de recomendação é IIa, com nível de evidência B.
Estudo recente publicado no JAMA Cardiology se propôs a estudar o risco tromboembólico em longo prazo de uma população que desenvolve FA após uma cirurgia de revascularização miocárdica, a partir de um registro dinamarquês com 7524 pacientes operados no Hospital Universitário de Copenhagen de 2000 a 2015.
Os pacientes incluídos no estudo tinham mais de 18 anos, não apresentavam história prévia de FA, trombose venosa profunda, tromboembolismo pulmonar ou uso de anticoagulantes, desenvolveram FA durante a hospitalização após a cirurgia e tiveram alta. Foram comparados a uma população controle: FA não valvar diagnosticada em hospitalizações ou ambulatórios fora de contexto de pós-operatório, sendo então as duas populações pareadas em uma proporção 1:4 para idade, sexo e CHA2DS2VASC.
Dentre os 7524 pacientes submetidos à cirurgia, 30% (2324) desenvolveram FA no pós-operatório. Após aplicados os critérios de exclusão, 2108 pacientes foram incluídos no estudo (grupo POAF) e pareados a 8432 pacientes com FA primária (grupo controle). A idade média dos pacientes era 69 anos e o CHA2DSVAS2C médio em torno de 3 pontos.
A incidência de eventos tromboembólicos no grupo POAF foi significativamente menor após um seguimento médio de 5 anos (18,3 x 29,7 eventos/1000 pessoas-ano; HR ajustado 0,67, IC95% 0,55-0,81, p <0,001). O desfecho secundário de mortalidade por qualquer causa apresentou resultado semelhante (HR ajustado 0,55; IC95% 0,49-0,61; p < 0,001).
Em relação à prescrição de anticoagulantes, apenas 8% dos pacientes no grupo POAF iniciaram o uso dentro de 30 dias do diagnóstico e 42% no grupo controle. Ao final de 1 ano de seguimento, mais de um terço desses pacientes com POAF haviam abandonado o uso de anticoagulantes. Então, mesmo que a minoria dos pacientes no grupo POAF fizesse uso de terapia antitrombótica, o número de eventos foi menor.
Em uma segunda análise, quando comparados os pacientes que usaram NOAC com aqueles que não usaram, houve benefício do NOAC na prevenção de eventos embólicos nas duas populações (POAF e FA primária). Porém, o NOAC apenas reduziu mortalidade em longo prazo no grupo da FA primária.
Podemos concluir a partir destes achados que a FA no pós-operatório é uma entidade que não deve ser reconhecida e manejada da mesma forma que FA não valvar primária (diagnosticada em outro contexto), visto que não parecem possuir o mesmo perfil de risco de eventos tromboembólicos e mortalidade. Isso está de acordo inclusive com dados recentes em relação à fibrilação atrial secundária à síndrome coronariana aguda, sepse e distúrbios pulmonares, que também parecem apresentar um risco tromboembólico menor que na FA não valvar primária. Várias questões em relação à FA no pós-operatório ainda estão pendentes, como o tempo que se considera uma FA ainda como causa secundária relacionada à cirurgia. Maiores estudos e ensaios clínicos randomizados são necessários para definir o papel do anticoagulante e a duração da terapia antitrombótica nesta população.
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