Acidente vascular cerebral isquêmico é a complicação mais temida da fibrilação atrial (FA). Aqui iremos discorrer sobre alguns pontos com vista na prevenção relacionados à FA não valvar. O AVC isquêmico em pacientes com fibrilação atrial está associado à morbidade e mortalidade substanciais. A crescente epidemia de fibrilação atrial em todo o mundo levantou preocupações sobre a necessidade de sistemas eficazes de prevenção de AVC nesses pacientes. Felizmente, a última década testemunhou uma infinidade de dados sobre novos métodos de prevenção de AVC em pacientes com fibrilação atrial não valvar. No entanto, a seleção ideal e a implementação efetiva dessas estratégias preventivas exigem uma abordagem integrativa que leve em conta não apenas os dados clínicos disponíveis, mas também a perspectiva de cada um dos envolvidos (paciente, médico e sociedade).
Segundo dados oficiais dos Estados unidos, a FA é a arritmia cardíaca sustentada mais comum que estará presente em mais de 12 milhões de americanos até 2030. O acidente vascular cerebral é a complicação mais debilitante da FA, ocorrendo em até 125.000 americanos anualmente.
A prevalência de FA entre pacientes admitidos com acidente vascular cerebral isquêmico agudo aumentou de 16% para 20% entre 2003 e 2014. Estatisticamente 40% de todos os AVCs em pacientes com > 80 anos de idade estão relacionados à FA. Os acidentes vasculares cerebrais relacionados à FA são mais incapacitantes, mais propensos a recorrer e estão associados a uma maior mortalidade do que os acidentes vasculares não associados à FA. Em um grande estudo observacional, em 5 anos apenas 2 em 5 pacientes com AVC agudo estavam vivos e 1 em 5 tinham AVC recorrente.
A prevenção de acidentes vasculares cerebrais com anticoagulação oral permanece um desafio, com menos de 50% dos pacientes de alto risco recebendo tratamento no registro PINNACLE dos EUA. A adesão à anticoagulação também é inadequada, tanto com a varfarina quanto com os novos anticoagulantes orais (NOACs).
As estratégias disponíveis para prevenir AVC na FA incluem o uso de varfarina, NOACs, terapia antiagregante plaquetária e oclusão / excisão do apêndice atrial esquerdo (tratamento percutâneo ou cirúrgico).
A varfarina é uma estratégia altamente eficaz para prevenção de AVC na FA, tendo sido usada por décadas. É de baixo custo, prontamente disponível e tem um antídoto fácil de administrar (vitamina K). No entanto, é difícil o controle do INR, têm inúmeras interações medicamentosas e alimentares e a qualidade da anticoagulação é geralmente baixa.
Na última década, os NOACs surgiram como terapia de primeira linha para prevenir AVCs relacionados a FA em muitos pacientes devido à sua eficácia, facilidade de uso e baixo risco de complicações hemorrágicas. No entanto, eles podem ter custo elevado para muitos pacientes e um antídoto não está disponível universalmente para todas as drogas. Na última década, 4 grandes ensaios clínicos randomizados foram conduzidos para testar a segurança e eficácia dos NOACs versus varfarina. Nesses ensaios, a administração de NOAC foi associada a taxas semelhantes ou menores de acidente vascular cerebral isquêmico e de sangramento em comparação com a varfarina em pacientes com FA não valvar. Várias metanálises desses ensaios controlados randomizados descobriram que, comparados com a varfarina, os NOACs estão associados a uma redução de 15% no AVC isquêmico agudo / eventos tromboembólicos, redução de aproximadamente 10% na mortalidade por todas as causas e uma redução de 50% na hemorragia intracraniana. A terapia antiplaquetária é geralmente menos eficaz na prevenção de AVC na FA do que a anticoagulação e não é recomendada para a maioria dos pacientes.
A oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo com o dispositivo de Watchman mostrou ser não inferior à varfarina para a redução de acidente vascular cerebral e embolia sistêmica por todas as causas em uma metanálise de dois estudos randomizados. Este dispositivo é aprovado pela agência FDA (Food and Drug Adiministration) para pacientes com risco aumentado de acidente vascular cerebral, tendo uma justificativa apropriada para buscar uma alternativa não farmacológica à varfarina. A Oclusão do Apêndice Atrial Esquerdo (OAAE) percutânea foi introduzida pela primeira vez em 2001 como uma alternativa aos ACOs em pacientes que não podem tolerar a anticoagulação). O dispositivo Watchman (Boston Scientific, Marlborough, Massachusetts) foi o primeiro dispositivo a ser testado em estudos randomizados (PROTECT AF e PREVAIL) contra a anticoagulação tradicional com varfarina. Uma metanálise dos dois estudos em 5 anos de acompanhamento mostrou que a OAAE com o dispositivo de Watchman não era inferior à varfarina para a redução de todo tipo de acidente vascular cerebral ou sistêmico. Por outro lado, houve uma diminuição substancial no AVC hemorrágico com OAAE. Esses dados sugerem que a principal vantagem da OAAE foi motivada pelo não uso da varfarina, e não pela redução de eventos isquêmicos. Paradoxalmente, a OAAE também foi associada com uma inexplicada redução significativa na morte cardiovascular em comparação com a varfarina.
A ligadura cirúrgica do apêndice atrial esquerdo é freqüentemente realizada em pacientes com FA no momento da cirurgia cardíaca. No entanto, vários estudos descobriram que esse procedimento é incompleto em até 40% dos pacientes, o que está associado à formação de trombo no apêndice atrial esquerdo e risco de acidente vascular cerebral. Isso pode ser feito com uma sutura ou com um clip externo (por exemplo, com o AtriClip). A ligadura cirúrgica do AAE (apêndice atrial esquerdo) é frequentemente realizada em pacientes com FA submetidos a cirurgia cardíaca para outras indicações. No entanto, vários estudos descobriram que a exclusão cirúrgica do AAE no momento da cirurgia concomitante é incompleta em até 40% dos pacientes e que a oclusão cirúrgica do apêndice atrial esquerdo incompleta estava associada à formação de trombo e maior risco de acidente vascular cerebral. Em uma análise recente, a exclusão do AAE em pacientes > 65 anos de idade submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica e / ou cirurgia valvar foi associada a uma taxa significativamente menor de tromboembolismo. Este benefício não foi observado em pacientes sem FA que foram submetidos à exclusão profilática de AAE durante uma cirurgia cardíaca concomitante. De fato, esses pacientes tiveram maior incidência de FA pós-operatória precoce, mas esse desfecho não afetou o longo prazo a ocorrência de acidente vascular cerebral ou morte. O interesse pela exclusão do AAE cirúrgico epicárdico é crescente devido ao seu potencial para alcançar uma oclusão mais completa do que as técnicas cirúrgicas endocárdicas.
Os dados disponíveis sugerem uma lacuna crítica de conhecimento na percepção dos pacientes sobre o risco de AVC e a relação risco / benefício de várias modalidades de prevenção. As ferramentas de auxílio à decisão demonstraram melhorar o conhecimento, o envolvimento e a satisfação dos pacientes. No entanto, nem sempre são fáceis de usar na prática clínica e muitas vezes não incluem as opções mais modernas de tratamento. As principais questões pertinentes aos pacientes com FA que buscam diminuir o risco de AVC são: o risco de AVC, a relação risco / benefício da terapia proposta, sua viabilidade do ponto de vista da conformidade com custo e a qualidade de vida (QV). Os dados disponíveis sugerem uma lacuna crítica de conhecimento na percepção dos pacientes sobre o risco de acidente vascular cerebral e o risco / benefício de várias modalidades de prevenção. Em uma pesquisa com 1.004 pacientes no registro ORBIT-AF (Registro de Resultados para o Tratamento Mais Informado da Fibrilação Atrial), apenas 50% e 8% relataram alta compreensão do papel dos NOACs e OAAE na prevenção do AVC, respectivamente. Em outra análise transversal de 499 pacientes, o conhecimento do risco de acidente vascular cerebral e benefício da ACO foi limitado, mesmo em pacientes com eventos anteriores.
Interpretar e incorporar os dados disponíveis sobre prevenção de AVC no manejo diário de pacientes com FA pode representar um desafio para o médico assistente por várias razões. Os escores CHA2DS2-VASc e HAS-BLED são os instrumentos de avaliação de risco mais comumente usados quando se considera opções de prevenção de AVC em pacientes com FA. No entanto, o desempenho dessas pontuações é apenas modesto. Esses escores não são levam em conta vários fatores importantes (por exemplo, risco de queda, ocupação, uso de antiagregante plaquetário concomitante, adesão do paciente, considerações anatômicas, como geometria do átrio esquerdo, características do AAE) que podem influenciar a decisão da anticoagulação vitalícia. Além disso, há agora evidências crescentes sugerindo o valor aditivo de vários preditores de risco (por exemplo, tipo e duração da FA, biomarcadores séricos, marcadores estruturais e funcionais) além desses escores de risco convencionais. Finalmente, vários elementos desses escores são dinâmicos (por exemplo, idade, presença de certos fatores de risco, eventos de sangramento) e, portanto, as avaliações de risco precisam ser revistas periodicamente.