Este é um assunto que gera muita dúvida para médicos cardiologistas, oftalmologistas e para os próprios pacientes que usam antiagregantes plaquetários e são coronariopatas. Afinal, devemos suspender essas drogas antes de uma cirurgia oftalmológica? Se devemos, quanto tempo antes da cirurgia?
Este artigo foi baseado na 3ª diretriz brasileira de avaliação cardiovascular perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia. A diretriz trata de diversos assuntos, entre eles, a avaliação que o cardiologista deve utilizar para os pacientes que serão submetidos a cirurgias oftalmológicas. Essas cirurgias são frequentes na população mais idosa em que observamos também maior prevalência da doença cardiovascular. É comum encontrarmos pacientes com necessidade de dupla antiagregação plaquetária (DAP). São pacientes que sofreram evento coronariano agudo e foram submetidos a tratamento intervencionista ou clínico, ou ainda, trataram uma doença coronária estável através de implante de stent. Em suma, são pacientes que por uma razão ou outra necessitam de duas medicações antiagragantes plaquetárias e que em algum momento serão submetidos a alguma intervenção cirúrgica como é o caso dos procedimentos oftalmológicos.
Atualmente, temos no Brasil três drogas antiplaquetárias para tratamento da doença coronária. A mais utilizada e indicada é sem dúvida o ácido acetilsalicílico (AAS), mas temos também a classe das drogas antagonistas dos receptores P2Y12, representados pelo clopidogrel e prasugrel (tienopiridínicos) e o ticagrelor.
Agora retornamos à pergunta do início do artigo. Se meu paciente é portador de doença arterial coronariana e por alguma razão usa dupla antiagregação plaquetária (DAP) e precisa ser submetido à cirurgia oftalmológica, como devo proceder?
Antes de tudo é preciso avaliar qual cirurgia foi programada pelo oftalmologista. Nas cirurgias de catarata, é baixo o risco de complicações hemorrágicas utilizando as técnicas anestésicas convencionais. No entanto, outras cirurgias podem apresentar risco de hemorragia mais alto como é o caso da trabeculectomia usada no tratamento do glaucoma e da vitrectomia nas cirurgias de retina. Cada caso deve ser analisado de forma individual levando em conta risco-benefício.
Pacientes que utilizam terapia de dupla antiagregação plaquetária (DAP) por conta de stent implantado há menos de 6 semanas se convencional ou menos de 6 meses se farmacológico possuem maior risco de eventos cardíacos caso interrompam essas medicações. Da mesma forma, os pacientes que tiveram um evento coronariano agudo (SCA) há menos de 1 ano, tendo sido tratados com fibrinólise, stent, cirurgia ou clinicamente, estes também apresentam maior risco caso interrompam a DAP. Assim sendo, sempre que possível os procedimentos oftalmológicos devem ser adiados para após os prazos descritos acima. Para aqueles procedimentos que não podem ser postergados, a conduta vai depender do risco hemorrágico relacionado à intervenção. Para cirurgia de baixo risco como catarata, o AAS e os inibidores P2Y12 (clopiodgrel, prasugrel e ticagrelor) devem ser mantidos. Porém, as cirurgias com maior risco hemorrágico como vitrectomia e trabeculectomia, a recomendação é manter o AAS sempre na dose máxima de 100mg e suspender o segundo antiplaquetário da seguinte forma: clopidogrel e ticagrelor 5 dias e prasugrel 7 dias antes do procedimento e retornar o mais breve possível idealmente no 5º dia de pós-operatório.
Pacientes que fazem uso da monoterapia com AAS 100mg/dia ou clopidogrel 75mg/dia para prevenção secundária, as evidências são mais favoráveis à manutenção dessas drogas no caso de cirurgia de catarata. No caso das cirurgias vitrectomia e trabeculectomia, as evidências são escassas, mas a recomendação é manter o AAS na dose máxima de 100mg e suspender clopidogrel 5 dias antes do procedimento.
Sintetizando todas as infromações:
Se o paciente faz uso de DAP e necessita fazer uma cirurgia oftalmológica, a primeira conduta é avaliar junto ao oftalmologista assistente se a cirurgia pode ser postergada por 6 semanas caso o paciente tenha realizado angioplastia eletiva com stent convencional ou 6 meses se o stent é farmacológico. Se o paciente está com DAP por conta de uma SCA e tenha recebido tratamento percutâneo, cirúrgico ou clínico, deve ser avaliado junto ao oftalmologista se o procedimento pode ser adiado por 1 ano após a ocorrência do evento.
A partir daí poderemos ter os seguintes cenários:
Cenário 1 – A cirurgia pode ser adiada e o risco hemorrágico é baixo (catarata).
Se a cirurgia pode ser adiada pelos prazos propostos, a orientação é manter monoterapia com AAS ou clopidogrel para as cirurgias de catarata.
Cenário 2 – A cirurgia pode ser adiada e o risco hemorrágico é alto (retina e glaucoma).
Neste caso, a orientação é se o paciente usa AAS na dose 100mg/dia, a medicação deve ser mantida, mas se por algum problema utiliza clopidogrel como monoterapia, a medicação deve ser interrompida 5 dias antes da cirurgia.
Cenário 3 – A cirurgia não pode ser adiada pelos prazos propostos e o risco é baixo.
A conduta neste caso é manter a DAP nas cirurgias de catarata.
Cenário 4 – A cirurgia não pode ser adiada pelos prazos propostos e o risco é alto.
Nas cirurgias da retina e glaucoma, a orientação é manter AAS na dose máxima de 100mg/dia e suspender o antagonista dos receptores P2Y12, respeitando os seguintes prazos de interrupção: no 5º dia antes do procedimento caso a droga seja o clopidogrel ou o ticagrelor, no 7º dia se a droga for o prasugrel. Deve ser orientado ao médico oftalmologista e ao paciente que o retorno da segunda droga deve ser o mais breve possível, idealmente até o 5º dia de pós-operatório.
Referência: 3ª diretriz brasileira de avaliação cardiovascular perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia.